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14 de dezembro de 2015

As dúvidas sobre o impeachment

Sessão do STF

Helio Gurovitz
O evento mais importante da semana será sem dúvida o julgamento, previsto para quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF), a respeito do processo de impeachmento contra a presidente Dilma Rousseff. Há pouca dúvida de que a decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao abrir o processo tem legitimidade. Foi imoral, claro, já que Cunha é acusado de quebra de decoro na Comissão de Ética e agiu por uma vendeta pessoal contra os deputados petistas que desistiram de apoiá-lo. Mas não foi ilegal, pois ele ainda é o presidente da Câmara, a quem cabe a prerrogativa de acatar pedidos de impeachment.

Apesar da chiadeira e da argumentação da queixa do PCdoB que será julgada no STF, o processo deverá ser mantido. Mas a decisão não se esgotará nisso. Há três dúvidas a respeito dele que poderão selar o destino de Dilma e do Brasil. Ei-las:

1) A Comissão Especial do Impeachment poderia ter sido constituída por voto secreto, como ocorreu? A Constituição é omissa a esse respeito, fala apenas que um processo do tipo deve seguir o princípio da “publicidade”. Mas não esclarece se isso significa que todas as votações devem ser abertas. Cabe ao STF, a nossa corte constitucional, dirimir a questão. Se decidir que a a votação não poderia ter sido aberta, a Câmara terá de fazer uma nova eleição para constituir a Comissão, algo que só seria viável na volta do recesso parlamentar, em fevereiro – e o processo voltará uma casa no tabuleiro.

2) Caso dois terços da Câmara determinem a abertura do processo, o Senado pode decidir que não o fará? O presidente do Senado, Renan Calheiros, tem acenado com essa possibilidade para ampliar seu cacife nas negociações com o governo, e uma ampla gama de juristas afirma que o Senado tem obrigação de julgar Dilma. Mas o rito de impeachment definido no julgamento do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, estabelecia que, antes de abrir o julgamento, o Senado deveria primeiro estabelecer uma comissão que teria um prazo de dez dias para emitir um parecer sobre a denúncia da Câmara. Só depois de votado esse parecer no Plenário, o processo de impeachment estaria instaurado e a presidente Dilma teria de se afastar do cargo para aguardar julgamento. No caso de Collor, tudo isso levou menos de 24 horas, e ele acabou renunciando ao cargo para evitar ser julgado. Agora, cabe ao STF dizer se o mesmo rito deverá valer para Dilma, como argumentam Renan, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams.

3) Em que momento a presidente Dilma deve apresentar seus argumentos de defesa? De acordo com a ação do PCdoB, ela deveria ter sido ouvida antes mesmo de Cunha aceitar o processo. Se o caso de Collor tem algum valor como precedente, a defesa só deve ser apresentada ao Senado, encarregado de proceder ao julgamento. Fica difícil acreditar que o STF tenha algo mais a dizer a respeito. Estabelecer que os advogados de Dilma deveriam se pronunciar na Câmara significaria uma clara intromissão nas atividades de outro poder – algo que o Supremo deveria evitar a todo o custo.

Embora o ministro Luiz Edson Fachin tenha prometido para hoje uma minuta do seu relatório para apresentar aos demais, de modo a acelerar o esclarecimento das três questões, o mais provável é que o julgamento de quarta seja marcado pela tensão. Basta um único ministro pedir vista para que tudo fique parado pelo menos até a volta do recesso do Judiciário, também em fevereiro. Mesmo quem defende o impeachment reconhece que o timing da decisão de Cunha foi o pior possível do ponto de vista prático.

Também foi péssimo do ponto de vista político. Ao admitir o processo, ele precipitou uma batalha em seu partido, o PMDB. O vice-presidente, Michel Temer, antecipou o desembarque do governo que era esperado apenas para o primeiro semestre do ano que vem. O PMDB trocou de líder na Câmara, e há um racha entre os deputados. A ala ligada ao PMDB carioca do prefeito Eduardo Paes, do governador Luiz Fernando Pezão e do antigo líder Leonardo Picciani prefere manter o apoio ao governo. A turma ligada a Temer quer a saída de Dilma para ocupar mais espaço do poder. É provável que Temer não rompa oficialmente com o governo até que uma convenção do partido referende seu gesto. Mas que tipo de convenção seria possível em pleno janeiro? Temer também articula para que os ministros peemedebistas saiam do governo. Será mesmo que eles largariam um pedaço concreto de poder em troca de uma promessa incerta? Não é exatamente o perfil peemedebista.

O esvaziamento das manifestações populares em favor do impeachment, verificado ontem nas principais cidades do país, é outro fator que enfraquece a causa. Antes de tomar qualquer decisão, os políticos ouvem as ruas. Foi o peso das manifestações que ampliou o apoio ao impedimento de Collor. A decisão de Cunha veio num período em que todos parecem mais preocupados com as festas de fim de ano, e menos gente está disposta a ir gritar contra o governo nas avenidas.

Pelos três motivos – as dificuldades de ordem prática, de cunho político e de mobilização –, a decisão de Cunha tende a favorecer o campo contrário ao impeachment. Seu gesto intempestivo foi melhor para o Planalto do que teria sido uma decisão tomada depois do Carnaval, depois que o assunto tivesse ruminado mais tempo, a articulação entre Temer e a oposição estivesse mais madura, e houvesse um clima menos polarizado dentro de seu próprio partido. Era esse o plano inicial dos defensores do impeachment, que Cunha fez ir por água abaixo.

Nada disso significa que Dilma esteja salva. As pedaladas fiscais são gravíssimas, e caberá ao Congresso decidir se constituem mesmo um crime de responsabilidade capaz de afastá-la do cargo. A briga do PMDB pode ser resolvida, e ninguém duvida que Temer tenha talento político para isso. O esvaziamento das manifestações pode ser atribuído às circustâncias, não à mudança do sentimento contrário ao governo na população. E as consequências não são de todo negativas para o andamento do processo. Com menos pressão das ruas, os ministros do STF terão mais tranqulidade para tomar suas decisões. É bom que seja assim. Quando se trata de impeachment, não pode haver nenhum açodamento – e cada passo jurídico precisa ser dado com absoluta segurança.


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