Repórter
Criador do projeto de lei de
iniciativa popular que ficou conhecido como a Lei da Ficha Limpa, o juiz
Marlon Reis avalia que o pleito de 2016 será o mais judicializado da
história. A explicação para isso se dar pela consolidação da legislação,
inclusive já com jurisprudência formada.
Ana SilvaMarlon Reis afirma que no próximo ano, haverá um intenso debate, durante a campanha eleitoral, contra a compra de votos
Ao abordar a problemática da corrupção no Brasil, o magistrado observou que são necessárias medidas sistêmicas. “É preciso mudar a maneira de fazer campanhas eleitorais. Isso começa na eleição. Uma pessoa eleita comprando voto não vai ser honesta no mandato”, destacou o magistrado, que esteve em Natal participando de evento organizado pelo Movimento Articulado de Combate a Corrupção.
Marlon Reis observa que a responsabilidade para combater a corrupção é de todos e começa com o cidadão: “em relação ao cidadão essa responsabilidade deve começar em casa, na família. Com as suas próprias posturas, sua própria conduta e com aquilo que ensina aos seus filhos. Isso parece pouco, mas não é”. Confira a entrevista que ele concedeu à TRIBUNA DO NORTE.
A corrupção está mais comum ou nós é que conhecemos mais agora?
Diria que o que está se tornando cada vez mais comum é a repressão a corrupção. A confusão entre o público e privado faz parte da história do Brasil, o país já foi colonizado dessa forma, sem uma distinção clara do que era o público e do que as pessoas poderiam se apoderar. E nós vemos isso desde o menor município, passando pelos Estados, pelos Governos. Essas mesmas distorções, a vontade das pessoas lançarem mão do que é público. A sensação do aumento de corrupção está relacionada a força das instituições no aumento do combate a corrupção, descobrindo e punindo, responsabilizando.
Mas a impunidade ainda é vista como álibi para quem comete a corrupção.
Ainda é grande a impunidade. Mas a solução passa menos pelo direito penal do que pela mudança dos padrões políticos. É preciso mudar a maneira de fazer campanhas eleitorais. Isso começa na eleição. Uma pessoa eleita comprando voto não vai ser honesta no mandato. Precisamos ter eleição completamente diferente para que homens e mulheres que sonharam em ser prefeito, deputado, vereador e não querem participar com medo desse ambiente hostil, que leva a práticas inadequadas, para que essas pessoas participem.
2015 foi um ano de muitos escândalos, muitas prisões de grandes empresários, políticos, ex-ministros. Isso significa novos rumos?
Acredito que sim. Agora mesmo está em discussão no Congresso um tema seríssimo, não vou opinar sobre ele, que é a questão do impeachment, mas eu queria lembrar que quem tornou isso possível foi uma pessoa contra qual pairam as acusações mais graves de corrupção. Nós estamos vendo isso em todos os níveis. Há medidas a serem tomadas, mas isso está em vias de acontecer.
O que esperar das próximas eleições na ótica da lei da Ficha Limpa?
Essas práticas (de corrupção) quando nós mudarmos os padrões das eleições. Enquanto as eleições forem como são, fundadas no dinheiro, no abuso do poder econômico, na compra do apoio político, no culto ao individualismo, não vamos resolver esse problema. A lei da Ficha Limpa foi um belo avanço. Antigamente ninguém ficava inelegível; eram raros os casos de pessoas que ficavam barradas. Só nas duas eleições a lei da Ficha Limpa impediu a candidatura de 1.200 pessoas. Nas eleições do ano que vem a lei da Ficha Limpa chegará testada, além de ter sido aprovada e declarada constitucional, ela já vai para terceira eleição aplicada. Ela já chegará com uma jurisdição formada. Eu digo que essa será a eleição mais judicializada da história. Nunca o Brasil terá vivido uma eleição tão debatida nos tribunais como as eleições de 2016 por conta da lei contra compra de voto, já derrubou gente aqui também (no Rio Grande do Norte) e a lei da Ficha Limpa. Essas duas leis vão ser a base das discussões judiciais que talvez afetem quase todos os municípios brasileiros.
Onde está o alicerce da corrupção: na ânsia do poder ou na fragilidade dos órgãos de fiscalização?
Tudo parte da cultura de desrespeito ao público, de que o público é algo do qual as pessoas têm que se apoderar para si. Esse é um aspecto e por outro lado a gente tem que apoderar as instituições. Não as instituições penais. O Direito Penal não é o que responde mais rapidamente. As pessoas têm tendência imediatista de achar que a pessoa vai ser presa. Mas o Direito Penal tem que partir da premissa de que a pessoa tem o direito de defesa. A solução parte do direito político, das normas eleitorais e das normas de manutenção dos mandatos, da lei de improbidade, de responsabilidade fiscal. Precisa mudar a maneira como a política flui. Através de mudança sistêmica tem que prejudicar a vida de quem entra na política para fazer corrupção.
O processo de impeachment está prejudicado do ponto de vista moral pelo fato de ser conduzido pelo deputado Eduardo Cunha, também investigado pelo STF?
Nós vimos nos últimos dias como não há nenhuma legitimidade política nesse debate. Não estou dizendo que não seja possível discutir o impeachment ou não. Mas uma pessoa contra quem há uma ação penal e se vale de todos mecanismos para permanecer no poder, mecanimos que não foram dados a ele e ele manipula em favor da sua defesa. Não poderia estar se dando o debate dessa forma. Não estou negando que ele poderia se dar em outro contexto. Mas dessa forma não. O processo carece de legitimidade.
O Judiciário está omisso?
O Judiciário não pode tomar iniciativa nenhuma. Os jornais noticiam que o Procurador Geral da República está preparando, finalmente, pedido formal contra o presidente da Câmara. Quem sabe não pode ser o início de tomada de posição que ajude a regularizar um pouco as coisas.
Onde está a maior sequela da política?
Na compra do voto. É o início da coisa. As pessoas imaginam, normalmente, que compra de voto se dá com a entrega de dinheiro ou dentadura para o eleitor. Não, isso é muito mais sofisticado hoje. Hoje se dá com o pagamento de chefes políticos locais em troca do seu apoio. E esses chefes mantém a troca de clientelismo com o público local. Já são pessoas dependentes dele. Não necessariamente vai receber um benefício dessa natureza, mas ele vende seu voto sem saber, acompanhando um líder local que leva a votar em quem deu dinheiro para ele.
Há muitos casos de gestões que abrem espaço em troca de apoios partidários. Isso é corrupção?
Sim. E também vou ainda mais longe. Alianças são feitas em troca do tempo de TV, em troca de dinheiro para campanha. Tudo isso é hoje encarado com naturalidade como se isso fosse normal e não é. As alianças são programáticas. Nós defendemos o fim do somatório do tempo de televisão. Se os partidos quiserem se aliar, se aliem, mas usando o tempo de TV destinado ao maior partido da coligação. Ou a aliança teria que se dar por aspectos políticos. São mudanças pequenas, estruturais que podem ajudar a mudar muito.
O senhor tem noção do que criou a partir da lei da Ficha Limpa? A mudança de paradigma que foi criada a partir dessa legislação.
Eu tenho noção. O nosso movimento tem bastante consciência e muita responsabilidade em torno do debate que suscitamos e nós sabemos que muito do que está acontecendo aí não estaria ocorrendo se não fosse o movimento que nós fizemos a partir do ano 2007. Até mesmo as manifestações de 2013 tem muito a ver com o que fizemos. Nós conseguimos movimentar muita gente. As redes sociais pela primeira vez foram usadas para um grande processo e bem sucedido de pressão sobre o Parlamento. Há até estudos acadêmicos internacionais sobre o assunto, abordando o uso, especialmente do Facebook e do Twitter para pressionar o Parlamento, nós sabemos da nossa responsabilidade e, por isso, a gente pondera muito. Nós apresentamos a solução a partir de mudanças estruturais da política e não simplesmente respostas penais que são muito pontuais, atinge uma pessoa que é descoberta ou outra. Nós precisamos mudar o padrão.
Não faltaria a população participar um pouco mais?
Falta. Mas há de se reconhecer que é uma dificuldade imensa. Se quer, até hoje, é admitido que se apresente projeto com coleta de assinatura on line, o que é um profundo retrocesso. Tivemos agora um bom exemplo da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que aprovou uma lei que autoriza a coleta eletrônica de assinaturas. É difícil demais. Com o apoio da CNBB, de Igrejas evangélicas, da OAB, da Federação Nacinal dos Jornalistas e de 50 entidades nacionais, nós demoramos quase dois anos coletando assinaturas para Lei da Ficha Limpa. Imagine o cidadão interessado em outra atividade que não tem o acesso e capacidade de dialogar e liderar redes das quais fazem parte essas organizações.
Qual a responsabilidade do cidadão, dos órgãos de fiscalização e do político para moralizar?
A responsabilidade é de todos. Em relação ao cidadão essa responsabilidade deve começar em casa, na família. Com as suas próprias posturas, sua própria conduta e com aquilo que ensina aos seus filhos. Isso parece pouco, mas não é. Isso é algo do que mais dependemos para fazer mudanças estruturais profundas e reversíveis. É a cultura, a educação política, a educação para cidadania. No caso dos políticos eles devem e tem sido difícil, mas eles precisam dar resposta as demandas sociais que aumentaram muitíssimo. Vimos que essa semana se revelou que, pela primeira vez na nossa história, o tema corrupção se tornou a principal preocupação do povo brasileiro. Não é possível que isso não sensibilize de qualquer forma a classe política. E que nós não possamos ter algum tipo de retorno, de resposta para os anseios da sociedade.
E qual a responsabilidade dos órgãos de fiscalização?
Os órgãos de fiscalização evoluíram muito, avançaram muito. Recentemente tivemos o risco de ver a Controladoria Geral da União rebaixada a um órgão meramente de outro ministério. A sociedade se manifestou. Fazia tempo que não via, foi quase como na época da Ficha Limpa, todos falando nas redes sociais, cobrando e a CGU foi mantida. E isso é um exemplo de como a institucionalidade pode funcionar bem. Ela deve ser o germen de um aumento da eficácia das instituições. E sem esquecer do Ministério Público, que tem tido um papel fundamental na descoberta e responsabilização dos agentes improbos.
O Setor de Precatórios do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte não foi reestruturado pelo Conselho Nacional de Justiça e, possivelmente, os valores identificados como sendo os oficialmente desviados por Carla Ubarana.
O senhor tem noção do que criou a partir da lei da Ficha Limpa? A mudança de paradigma que foi criada a partir dessa legislação.
Eu tenho noção. O nosso movimento tem bastante consciência e muita responsabilidade em torno do debate que suscitamos e nós sabemos que muito do que está acontecendo aí não estaria ocorrendo se não fosse o movimento que nós fizemos a partir do ano 2007. Até mesmo as manifestações de 2013 tem muito a ver com o que fizemos. Nós conseguimos movimentar muita gente. As redes sociais pela primeira vez foram usadas para um grande processo e bem sucedido de pressão sobre o Parlamento. Há até estudos acadêmicos internacionais sobre o assunto, abordando o uso, especialmente do Facebook e do Twitter para pressionar o Parlamento, nós sabemos da nossa responsabilidade e, por isso, a gente pondera muito. Nós apresentamos a solução a partir de mudanças estruturais da política e não simplesmente respostas penais que são muito pontuais, atinge uma pessoa que é descoberta ou outra. Nós precisamos mudar o padrão.
Não faltaria a população participar um pouco mais?
Falta. Mas há de se reconhecer que é uma dificuldade imensa. Se quer, até hoje, é admitido que se apresente projeto com coleta de assinatura online, o que é um profundo retrocesso. Tivemos agora um bom exemplo da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que aprovou uma lei que autoriza a coleta eletrônica de assinaturas. É difícil demais. Com o apoio da CNBB, de Igrejas evangélicas, da OAB, da Federação Nacinal dos Jornalistas e de 50 entidades nacionais, nós demoramos quase dois anos coletando assinaturas para Lei da Ficha Limpa. Imagine o cidadão interessado em outra atividade que não tem o acesso e capacidade de dialogar e liderar redes das quais fazem parte essas organizações.
Qual a responsabilidade do cidadão, dos órgãos de fiscalização e do político para moralizar?
A responsabilidade é de todos. Em relação ao cidadão essa responsabilidade deve começar em casa, na família. Com as suas próprias posturas, sua própria conduta e com aquilo que ensina aos seus filhos. Isso parece pouco, mas não é. Isso é algo do que mais dependemos para fazer mudanças estruturais profundas e reversíveis. É a cultura, a educação política, a educação para cidadania. No caso dos políticos, eles precisam dar resposta às demandas sociais que aumentaram muitíssimo. Vimos que essa semana se revelou que, pela primeira vez na nossa história, o tema corrupção se tornou a principal preocupação do povo brasileiro. Não é possível que isso não sensibilize de qualquer forma a classe política. E que nós não possamos ter algum tipo de retorno, de resposta para os anseios da sociedade.
E qual a responsabilidade dos órgãos de fiscalização?
Os órgãos de fiscalização evoluíram muito, avançaram muito. Recentemente tivemos o risco de ver a Controladoria Geral da União rebaixada a um órgão meramente de outro ministério. A sociedade se manifestou. Fazia tempo que não via, foi quase como na época da Ficha Limpa, todos falando nas redes sociais, cobrando e a CGU foi mantida. E isso é um exemplo de como a institucionalidade pode funcionar bem. Ela deve ser o germen de um aumento da eficácia das instituições.
Tribuna do Norte
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