Luiz Felipe montou uma estratégia
bem-sucedida que obrigou o Flamengo a armar com os zagueiros porque os meias
estavam anulados. Quando o zagueiro Pedro Henrique levou o segundo amarelo numa
falta infantil, um ato desprovido de qualquer resquício de inteligência, o
Flamengo faz valer com sobras sua qualidade superior.
Se Dorival Júnior foi
inferior a Luiz Felipe no acerto das estratégias, seu mérito ainda assim é
enorme e indiscutível. Nenhum treinador antes tinha conseguido fazer jogarem
juntos Gabigol e Pedro. A simplicidade do treinador teve requinte. Vale o
aplauso para o Athletico e cabe o reconhecimento ao clube que pratica a
política de futebol mais vitoriosa da América Latina.
Por Maurício Saraiva. Comentarista da RBS TV
Quatro décadas depois da era Zico, o Flamengo reencontra um
poderio que parecia inatingível: Em 1980, o título brasileiro foi uma espécie
de marco: o Flamengo cruzava a fronteira do Rio de Janeiro, levantava seu
primeiro grande troféu nacional. Foi o ponto de partida para quatro anos que
mudaram todos os julgamentos em torno do clube, criaram uma espécie de
parâmetro inatingível com três títulos nacionais, uma Libertadores e um
Mundial. Desde então, era como se o clube vivesse eternamente em busca de um
reencontro quase impossível com uma era tão gloriosa.
Conquistas separadas
por quatro décadas podem ser comparadas em números, jamais em sensações. O
futebol é feito de experiências, de memórias afetivas. Se é impossível
reproduzir o que era o mundo de 40 anos atrás, imaginemos as percepções em
torno de um time de futebol. Cada título se vive de uma forma, não há dois
campeonatos iguais. De todo modo, o que desde então pareceu impossível,
aconteceu: o Flamengo voltou a produzir quatro anos que, se não igualam, ao
menos permitem lembrar a Era Zico. Os pioneiros serão sempre lembrados como tal
- e como campeões mundiais. Mas o time de Gabigol, Éverton Ribeiro, Arrascaeta
e Filipe Luís devolveu ao clube a sensação de como é viver um período de
tamanha pujança, de tamanho poderio esportivo. O direito de lembrar como é
erguer taças importantes num espaço de 10 dias ou menos. Como em dezembro de
81, sempre lembrado na música da torcida.
A vitória de Guayaquil tem uma série de nuances táticas, mas
é através dos jogadores que a história deste Flamengo, de Lima a Guayaquil,
pode ser contada. Porque se a final contra o River Plate e esta contra o
Athletico-Pr foram dois jogos inteiramente diferentes, em ambas o talento
permitiu ganhar a maior taça do continente sem exibir a melhor versão desta
equipe. No Equador, longe disso, diga-se de passagem. No entanto, se entre 1981
e 2019 o hiato parecia transformar o Flamengo num estranho nas conquistas
sul-americanas, como se 1981 tivesse sido uma exceção, os dois títulos e as
três finais em quatro anos reescrevem a história. O Flamengo de hoje é capaz de
reunir talentos como praticamente nenhum clube na América e, por ora, pouca
coisa indica que os rubro-negros deixarão de frequentar o grande palco. A
conjuntura econômica e, por consequência, técnica está posta para que esta nova
era gloriosa não pare por aí. Muito será debatido sobre o plano
de Luiz Felipe Scolari para lidar com este Flamengo. E até mesmo esta
estratégia, que funcionou por boa parte do primeiro tempo, ajuda a explicar por
que o Flamengo é o campeão. Porque foi a cartada ousada, arriscada, encontrada
por um experiente treinador para lidar com um rival que até ele reconhecia como
superior. Uma forma de reduzir diferenças.
Felipão foi às últimas
consequências com uma marcação individual. Thiago Heleno sobrava na zaga, Vítor
Roque vigiava os dois zagueiros do Flamengo na saída de bola e, a partir daí,
cada atleticano tinha um rival para perseguir onde quer que fosse. Khellven,
por exemplo, ia atrás de Filipe Luís, deixando Pedro Henrique marcando Pedro,
mas com muito espaço para cobrir. Por meia hora, o jogo aconteceu muito mais
como queria Felipão do que de acordo com os planos de Dorival Júnior. O
Athletico não sofreu, e teve duas ocasiões.
Mas não há plano
perfeito em futebol, cada estratégia busca virtudes enquanto aceita assumir
riscos. Marcações individuais desgastam, em especial contra times tão
talentosos. E mais: se um jogador é batido num duelo, outro precisará assumir a
marcação, gerando um efeito dominó de rivais livres. Para evitar isso, em geral
o recurso é a falta.
Pois a parte final do primeiro tempo já exibia um Athletico desgastado.
Estratégias assim são como viver no limite. E jogadores cerebrais como Éverton
Ribeiro, o craque da final, começavam a entender o jogo. Ele levava Alex
Santana para perto do campo defensivo do Flamengo, abrindo um buraco no
meio-campo para Thiago Maia infiltrar. Arrascaeta arrastava Hugo Moura para o
lado, tentando esvaziar a frente da área. Pedro Herique foi batido num lance e
fez a falta: cartão amarelo. Alex Santana puxou o calção de Éverton Ribeiro:
cartão amarelo. O plano ameaçava ruir, fazer água. Pedro Henrique chegou tarde
para compensar um desequilíbrio na marcação e atingiu Ayrton Lucas: cartão
vermelho.
Toda a ideia foi por
água abaixo. A marcação individual dava lugar a duas linhas de quatro homens,
com Vítor Roque à frente. E mais espaço para o Flamengo tocar, costurar,
infiltrar. Da grande trama de Rodinei com Éverton Ribeiro, que reafirma seu
papel de protagonista desta era vitoriosa, saiu o passe para Gabigol, o novo
artilheiro das decisões, como Nunes nos anos 80. Em cinco minutos, dois golpes
duros demais para o Athletico-PR.
Claro que a expulsão
foi crucial. Mas não parece sensato dizer que este foi “um detalhe
imponderável", “um imprevisto acidental” que mudou o curso do jogo. Ele
era um risco claro, resultante da forma como um time de menos recursos tentou
parar um time melhor. O Flamengo é tricampeão da América porque é melhor.
Mas quando se fala que este Flamengo pode
vencer mesmo sem exibir sua melhor versão, nada melhor do que o segundo tempo
para ilustrar. O time teve 15 a 20 minutos de total controle, dominou a bola no
campo ofensivo, achou Gabigol duas vezes em boas condições, mas o gol não saiu.
A posse já não correspondia à capacidade de criar. E o time exibia uma de suas
grandes vulnerabilidades atuais: as pernas, o fôlego, o físico. Aos poucos, o
controle foi dando lugar a largos momentos de insegurança. E o Flamengo
terminaria defendendo a área.
Felipão jogou novas
cartadas com Canobbio e Rômulo, mais tarde acrescentou Pablo e tentou ter um
jogo direto, levar a bola para as redondezas da área do Flamengo. E a outra
vulnerabilidade do tricampeão da América é defender em seu campo. Não que o
jogo transmitisse a sensação de que o empate era iminente, mas mesmo com um
homem a mais o Flamengo viu Santos fazer duas boas defesas, uma delas com um
rebote que fez muita gente prender a respiração por instantes.
Dorival lançou
Cebolinha para ter escape em velocidade, Vítor Hugo para ganhar fôlego no meio,
mas ainda assim não houve uma imposição à altura da diferença técnica e do
jogador a mais. De todo modo, conforme se aproximava o apito final, o
Athletico-PR perdia a fé, o Flamengo conduzia a situação com sua experiência.
A torcida que esperou 38 anos pelo reencontro com a
Libertadores em 2019, agora precisou esperar apenas três anos pelo tri. São
novos tempos. Quem é saudoso da Era Zico, talvez jamais veja algo igual. Ao
menos pôde lembrar como é ganhar taças em série. O Flamengo vive o reencontro
com uma realidade que, por 40 anos, existia apenas no imaginário de sua
torcida. Voltou a ser real.
Por Carlos Eduardo Mansur
Jornalista. No futebol, beleza é fundamental
Todos os Principais Títulos
do Flamengo:
Internacionais:
- Mundial interclubes - 1981
- Taça Libertadores da América – 1981, 2019 e
2022
- Copa Mercosul - 1999
- Copa Ouro Sul-americana - 1996 (invicto)
- Recopa Sul-Americana – 2020
Nacionais e Interestaduais:
- Campeonato Brasileiro (7 títulos) - 1980,
1982, 1983, 1992, 2009, 2019 e 2020
- Copa União 1987 (Campeonato Nacional)
- Copa do Brasil - 1990 (invicto), 2006, 2013 e
2022
- Supercopa do Brasil - 2020 e 2021
- Torneio Rio-São Paulo - 1940 e 1961
- Copa dos Campeões Regionais - 2001
- Copa dos Campeões Mundiais - 1997 (invicto)
- Taça dos Campeões Estaduais - 1956
- Taça dos Campeões Brasileiros - 1992
- Torneio do Povo - 1972
Estadual:
Campeonato Carioca: 37 Títulos.
Taça Guanabara: 23 Títulos.
Taça Rio: 10 Títulos.