Mais
de mil pessoas que exerceram ou exercem cargos públicos no Rio Grande
do Norte podem ficar impedidas de disputar as eleições municipais deste
ano. A lista com os gestores condenados ou com prestações de contas
pendentes será divulgada até o dia 5 de junho, pelo Tribunal de Contas
do Estado. Não cabe ao TCE decretar a inelegibilidade de forma
automática, mas sim enviar ao Tribunal Regional Eleitoral os nomes dos
que cometeram irregularidades relacionadas na Lei da Ficha Limpa como
impeditivas para candidaturas.
A
informação sobre o número de políticos e gestores que vão constar na
lista foi dada pelo presidente do TCE-RN, Valério Mesquita, nesta
entrevista à TRIBUNA DO NORTE. Ele também alerta para os cuidados que a
governadora Rosalba Ciarlini deve ter na escolha do novo conselheiro do
TCE. Afirma ainda que, se houvesse uma mudança na forma de preenchimento
das vagas de conselheiro, seria importante adotar o concurso público
como critério de seleção.
O
presidente do Tribunal de Contas aponta que o superfaturamento está
entre as irregularidades mais comuns cometidas nas Prefeituras do Rio
Grande do Norte.
Com
a experiência de quem foi prefeito de Macaíba e deputado estadual por
quatro mandatos consecutivos, ele recomenda que os políticos "tenham
juízo" para enfrentar os principais problemas do Estado e cuidar de
forma adequada dos recursos públicos.
Valério
Mesquita, que vai deixar o TCE em novembro, quando completa 70 anos e
terá que se aposentar, como determina a Constituição, nega que tenha
pretensão de articular para influenciar na escolha do conselheiro para a
vaga a ser preenchida por indicação da Assembleia Legislativa.
Quantos
políticos serão incluídos na lista do TCE com os nomes dos gestores que
foram condenados por irregularidades e, por isso, poderão ficar
impedidos de disputar a eleição em função da Lei da Ficha Limpa?
Mais de mil gestores estarão na lista que vamos mandar, no início de junho, a pedido do TRE [Tribunal Regional Eleitoral].
Que tipo de gestores estão nesta lista?
Prefeitos,
secretários municipais e estaduais, ex-secretários, presidentes de
câmara municipais, presidentes de economias mistas. Agora, veja bem, a
decisão sobre a inelegibilidade cabe ao TRE que vai peneirar esta lista.
O TCE envia os nomes que estão nos casos definidos pela Lei da Ficha
Limpa. Os que estiveram nesta condição, que envolve gestores com
condenações para devoluções ao erário, pendências por não prestarem
contas e outras situações definidas legalmente, vão constar na lista. Há
um elenco de irregularidades definidas. A partir desta lista, eles
serão julgados pelo TRE.
Há uma data limite para o envio dos nomes à Justiça Eleitoral?
Vamos
mandar até o dia 5 de junho a primeira leva. Se ao longo de junho
houver mais processos, vamos mandando. Até o dia 20 ou 25 podemos enviar
mais alguns nomes.
Os
tribunais superiores divulgaram que vão apresentar informações sobre
salários dos servidores e ministros. O TCE também pretende revelar a
remuneração dos seus conselheiros e funcionários?
Se
isto ocorrer, o Tribunal de Contas seguirá a mesma linha dos demais.
Vamos aguardar que os tribunais superiores assim determine. Seguiremos o
que for adotado pelo TCU. Os demais TCEs devem fazer a mesma coisa. O
nosso parâmetro é o TCU. Se o TCU seguir esta decisão [de divulgar os
salários], também seguiremos. É um procedimento que será definido de
cima para baixo.
A
exigência de transparência e controle das contas públicas está cada vez
mais acentuada. O TCE tem conseguido acompanhar essas demandas da
sociedade?
Hoje,
sim. O Tribunal tem um o Sistema Integrado de Auditoria Informatizada,
que tem capacidade de captar tudo através da informática. O processo de
fiscalização e controle externo dos gastos públicos melhorou muito com
esse tipo de recurso. O Tribunal tem condições de previamente
identificar se há superfaturamento nas licitações de qualquer ente
administrativo no Estado. Pode fiscalizar previamente também se existem
erros, além de interceptar e pedir informações para evitar que um
processo irregular se viabilize.
Esse acompanhamento é feito tanto nas prefeituras, como no Governo do Estado?
Sim.
E o TCE, para atender a todas essas exigências, precisava de agilidade.
O Tribunal passou a fazer mutirões de processos. O fato é que tivemos
oportunidade de julgar, do ano passado para cá, mais de 20 mil processo,
na área de pensões, nomeações e despesas públicas. No DAE (Departamento
de Atos e Execuções) estavam represados também vários processos que
envolviam licitações e fizemos levantamentos para que eles andassem. No
DAD (Departamento de Administração Direta) nós também estamos fazendo
mutirão. Enfim, melhoramos o andamento dos processos. Chamamos 72
concursados para ampliar o nível técnico do Tribunal e e preencher a
carência que existia. Então, o Tribunal melhorou no sentido de assegurar
celeridade.
Quais são os deslizes mais comuns que os gestores ainda cometem?
Ainda
há muito superfaturamento. Essa é a irregularidade mais comum. Isso
acontece ainda em uma gama imensa de municípios. O Tribunal tem
procurado identificar isto previamente ao utilizar recursos da
informática. Há situações também nas quais faltam prestações de contas.
O senhor lembra um flagrante exemplo de irregularidade em licitação?
Teve
uma determinada prefeitura que fez uma licitação de R$ 6 milhões para
trabalhos de urbanização e pavimentação. Seria uma concorrência
nacional, porque tal valor exigia esse tipo de procedimento. Mas um item
obscuro do edital dizia que só poderia participar da licitação empresas
que tivessem usinas de asfalto a 134 quilômetros da sede do município. A
licitação estava obviamente dirigida. Então o Sistema detectou isto e
mandamos sustar a licitação.
Falta eficácia nas punições dos gestores que cometem essas irregularidades?
Para
atingir os objetivos e haver eficácia na punição, aprovamos uma nova
lei orgânica, que entrou em vigor a partir em março ou abril, e um novo
regimento interno. Houve um aumento nos valores das multas cobradas e
definimos mais fiscalização. Estamos fazendo também mais inspeções nos
locais onde são gastos ou investidos os recursos públicos.
Mas são raros os casos de devolução do dinheiro gasto indevidamente...
As
condenações de devolução dos recursos sempre acontecem. Se alguém
assistir às sessões da primeira câmara [do TCE] vai observar que
permanentemente são julgados 60 a 70 processos. E, nesses julgamentos,
não é difícil encontrar dezenas de determinações para que o gestor
devolva o dinheiro gasto de forma irregular. Inclusive a sistemática é
esta: o gestor é acionado para prestar o contraditório, em quinze dias,
e, se ele não se defender, é publicado o acórdão para a procuradoria
pedir a execução no Tribunal de Justiça. O TCE não tem o poder de
polícia. A Procuradoria do Estado é o órgão que tem a competência para
executar.
Alguns
prefeitos reclamam que o TCE é muito rigoroso com as pequenas
prefeituras e não tem a mesma exigência com o Governo do Estado. Isso
procede?
As
prefeituras, até pelos seus objetivos, lidam com a população mais
diretamente. Nestas circunstâncias, às vezes alguns prefeitos extrapolam
nas atribuições que possuem. Alguns cometem excessos. Eles são
políticos e estão mais próximos das demandas da população. O secretário
de Estado não, ele tem um líder, que é o governador, a quem precisa
prestar contas. As Câmaras Municipais também são verdadeiras clínicas de
pedidos de toda ordem. Estão, assim, mais fadadas ao erro. Há casos nos
quais as assessorias não funcionam. Por tudo isso, os prefeito e
presidentes de Câmaras estão correm mais risco, erram mais. Os
secretários estaduais e governador têm equipes mais completas,
estruturas de controle mais eficazes.
O TCE tem conseguido dar um exemplo no sentido de manter um controle rígido dos seus próprios contratos?
O
Tribunal é parcimonioso, a começar do seu presidente. Posso dizer que
estou há dez anos na instituição e só fui uma vez a Brasília e, mesmo
assim, para conhecer o TCU (Tribunal de Contas da União). Começo a dar o
exemplo por mim. Não vou para seminários a convite da Associação do
Tribunal de Contas do Brasil. Só para blá-blá-blá, para fazer e ouvir
discursos? Não. Ao chegar à presidência, não só adotei um controle
rigoroso para mim, como também para todos que trabalham comigo.
Qual a estrutura que está disponível para cada conselheiro?
Cada
gabinete dos sete conselheiros e seis procuradores tem seus assessores
jurídicos e chefes de gabinete. Uma estrutura normal de funcionamento.
Cada um tem o seu gabinete. Mas de forma comedida. O TCE é o menor
orçamento do Estado. É minúsculo. Claro que o Tribunal de Justiça e a
Assembleia Legislativa são poderes e precisam de uma estrutura mais
ampla. O Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte tem um orçamento
modesto, o menor do Brasil. Hoje significa em torno de 0,043% do
orçamento geral do Estado.
Cada conselheiro tem um carro à disposição?
Sim, tem. Um carro de representação.
Isso é justificável?
Sim,
é compatível com a função. O conselheiro deve ter um carro para
desempenhar suas funções, assim como, acho, os desembargadores também
têm. Os deputados, não. Inclusive quando estava lá votei no projeto para
acabar com aposentadoria e carro oficial para deputado. Ficou apenas
carro para o presidente. Os conselheiros têm, o procurador também. Isso é
necessário para a mobilidade. O conselheiro é convidado para fazer
inspeções, exposições, participar de reuniões... Isso é normal.
Há
quase oito meses um conselheiro do TCE se aposentou. Essa vaga cabe ao
Governo, mas até agora não houve a indicação. A demora preocupa o TCE?
A
mais recente vaga foi aberta com a aposentadoria do conselheiro Alcimar
[Torquato] que ainda não foi preenchida. Ele se aposentou em setembro
do ano passado, há oito meses.
Esta demora não é uma situação normal...
Não,
não é. Provisoriamente, enquanto o governo não indica o nome, fica como
conselheiro Marcos Montenegro, que é o auditor mais antigo nos quadros
e, pelo regimento interno, ele assume. A indicação para o cargo que foi
aberto pertence ao Governo do Estado. O preenchimento da vaga foge ao
controle do Tribunal. De acordo com a Constituição, desta vez, é a
governadora que indica. Vamos aguardar. Estamos em estado de
expectativa. Não podemos influenciar no processo. Quando eu me
aposentar, em novembro, a vaga será da Assembleia.
Mas o senhor tem uma expectativa pelo menos do perfil que seria adequado para essa vaga que o Governo precisa preencher?
O
Tribunal espera que seja escolhido para ser conselheiro alguém que
tenha um perfil de conhecimento jurídico, contábil e uma cultura
humanística para desempenhar as atividades. Alguém que não venha com
comprometimento político, porque o TCE tem que ser isento. Quando eu vim
para cá, era deputado e tive que me desvincular de todas as minhas
atividades políticas e partidárias. Continuei só como eleitor. Escrevo
para jornal, mas não trato de política. Trato apenas de assuntos
literários e casos do cotidiano.
O
TCE não tem poder de vetar uma indicação da governadora. Mas se
considerar que o nome escolhido não preenche as exigências, poderá haver
alguma reação?
A
sociedade é que vai julgar o governador que assim proceder. Se mandar
para o Tribunal um representante que não reúna as condições e qualidades
para o exercício pleno da função, gera-se uma incompatibilidade. O
Poder Legislativo ou o Poder Executivo que assim proceda certamente será
punido pela sociedade, pela imprensa. O que poderia fazer o TCE? Uma
greve para deixar de receber o novo conselheiro? Não, não podemos tomar
uma atitude deste tipo. Mas qualquer cidadão pode até questionar
judicialmente, assim como o Ministério Público.
O senhor recomendaria à governadora que fique atenta aos critérios desta escolha?
Sim, eu diria que ela deve estar atenta.
E esta demora para a indicação?
Veja,
não há um prazo definido legalmente. A vaga é do Governo do Estado.
Mas, em novembro, quando eu completo 70 anos e tenho que me aposentar,
já serão duas vagas. Isso se o governo não fizer (a nomeação) até
novembro.
O senhor vai de alguma forma participar da escolha?
Não,
não tenho intenção, a não ser que fosse convocado pela governadora
para, em nome do Tribunal, opinar. E, nesta hipótese, só aceitaria falar
em nome da Casa depois de reunir meus companheiros. Jamais apresentaria
uma sugestão exclusivamente minha.
E com relação à vaga que será aberta com a aposentadoria do senhor em novembro? Pretende participar das articulações?
Não posso, não quero, não devo. Quando isso surgir, já estarei fora daqui. Não tenho pretensão de opinar.
Seria adequado para a vaga do senhor ser nomeado um deputado, uma vez que a indicação será da Assembleia?
Qualquer
pessoa pode ser, deste que preencha os requisitos que mencionei. Na
Assembleia tem parlamentares que reúnem esses requisitos. De qualquer
forma, não é obrigatório que seja deputado. Eu era dos quadros da
Assembleia, mas teve outros que vieram indicados pelo Legislativo e não
eram.
Deveria haver uma modificação na forma de escolha dos conselheiros do TCE? Uma alteração na Constituição com esse objetivo?
Estamos submissos à Constituição. Isso só seria possível com uma mudança constitucional.
Mas seria desejável essa mudança para, por exemplo, exigir concurso público? Essa discussão é necessária?
Na
verdade, seria bom. Para ser juiz, procurador, membro do Ministério
Público, é preciso fazer concurso. Por que não para [conselheiro do]
Tribunal de Contas? Não estou dizendo isso por estar na posição
confortável de quem vai sair. Digo que seria bom, porque selecionaria
mais. Já existem manifestações a respeito. Mas, atualmente, no TCU
(Tribunal de Contas da União) também é assim, por indicação. Os
tribunais estaduais seguem o exemplo do TCU. Quando o TCU modificar essa
regra, ela será adotada nos estados. Certamente, as Constituições
estaduais passariam por uma adaptação. Mas isso [a mudança no TCU]
dependeria do Congresso Nacional. Um parlamentar estadual não tomaria a
iniciativa sem a modificação federal. Um dia, o Congresso vai despertar
para isso.
Como o senhor vê o fato de algumas instituições no Rio Grande do Norte estarem no centro de um turbilhão de acusações?
Esse
é um problema que ocorre no Brasil todo. Essa questão da corrupção na
administração atinge todos os Estados. Qual Estado brasileiro ficou
isento deste problema? Isso está na vida pública do País. Talvez,
lamentavelmente, no DNA da política brasileira. Existe nas instituições
de modo geral. Cabe aos órgãos atuarem para coibir. Somos uma
instituição que combate esse tipo de prática nociva. Ao lado do TCU, da
CGU (Controladoria Geral da União) e de outras entidades. Participamos
do esforço para tomar medidas, exigir transparência.
O
senhor foi prefeito de Macaíba, deputado estadual por quatro mandatos, é
conselheiro do TCE. Como acompanha a cena política do Estado?
Eu
acredito nas potencialidades do Rio Grande do Norte. O Estado desperta
para um futuro promissor. Vêm aí um novo aeroporto, as ZPEs, a Copa do
Mundo, energia eólica, ampliação do porto. São perspectivas animadoras.
Existem problemas desafiadores, claro, que precisam ser enfrentadas em
diversas áreas. Natal, por exemplo, tem necessidade de um tratamento de
mobilidade urgente.
E a classe política está preparada para esses desafios?
A
classe política deve criar juízo para ter consciência de que há um
processo de mudança. Precisa enfrentar os desafios provenientes do
crescimento da população. Não vou emitir juízo de valor sobre
desempenhos individuais de políticos, até pelo cargo que exerço. Mas a
classe política de modo geral, deputados, senadores, prefeitos,
vereadores, todos que estão envolvidos no processo devem ter consciência
dessas questões. Precisam saber usar o dinheiro público. A população
cobra isso. Estamos partindo para um momento em que o povo não vai mais
votar em Tiriricas. Esse tipo de protesto não vai para frente, é fútil.
Teve eleições nas quais se votou em atores, em jogadores de futebol.
Nada contra, mas isso mostra a falência da classe política. E seus
integrantes precisam ficar atentos. Se não atuarem de forma eficaz e
consciente, vão para o descrédito total. A saúde está em crise, a
educação sucateada, a segurança pública com enormes dificuldades. São
problemas que precisam ser enfrentados. Isso não ocorre só aqui, mas em
outros estados. Não quero fazer, com esses (essas) observações, críticas
a governo A, B ou C. Apenas constato uma realidade.
Em novembro o senhor completa 70 anos e terá que se aposentar do TCE. Vai se dedicar a quais atividades?
Ainda
não desenvolvi uma linha de raciocínio sobre o que vou fazer depois.
Sei apenas que saio pela avenida Getúlio Vargas (onde está localizada a
sede do TCE) e sigo pela Nilo Peçanha. A partir daí vou ter que
enfrentar o "vasto mundo de Raimundo", como diria Drummond. Se quisesse
voltar à política, teria antecipado a aposentadoria para ser candidato
em minha terra. Foram muitos os convites neste sentido. Continuo amando
minha terra, Macaíba, mas sem pretensão de candidatura. Preferi concluir
o trabalho no TCE.
Fonte: Tribuna do Norte / Via Blog Umarizal News
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