Cabeça dura, teimoso, empreendedor, excelente para começar projetos,
para colocar fogo nas ideias. O produtor Giuliano Manfredini enumera
assim as características do seu signo, Áries, o mesmo do seu pai, Renato
Manfredini, o Renato Russo. O pai de Giuliano morreu quando este tinha 7
anos, e ele, que completou 23 anos em março, acaba de assumir o que
chama de "espólio intelectual" do seu velho (até então, era a mãe do
cantor, avó de Giuliano, que geria tudo).
Não é pouca responsabilidade: foram cerca de 25 milhões de discos
vendidos em 14 anos de atividade, números de megagrupos como Oasis ou
The Cure. A Legião Urbana foi (e continua sendo) um dos maiores
fenômenos da música na América Latina. Manfredini já assume com o
desafio de coordenar a celebração dos 30 anos da banda, que começa neste
final de ano com a estreia do longa-metragem Faroeste Caboclo, com Isis Valverde, a Suélen, no papel da Maria Lúcia da canção.
Giuliano chama a atenção por ser quase uma antítese do pai. Nunca
responde uma pergunta de bate-pronto, sempre inicia com uma palavra que,
não raro, substitui por outra que considera mais adequada. É
superponderado. Renato Russo era uma metralhadora verbal (há episódios
em que xingou críticos de "bichas mal-amadas"), atacava detratores
ferozmente. Algumas vezes, quando o tema é mais controverso, Giuliano
pede delicadamente: "Me preserve disso, tá bom?" Não deixa nem o
interlocutor terminar a pergunta para assegurar que não vai respondê-la.
"Não sou careta, mas não bebo. Sou tranquilo. Sou espírita
kardecista, e o que mais gosto de fazer é ir ao cinema e ler. Também
adoro comer o melhor da baixa culinária", diz rindo o produtor, num
perfil relâmpago de si mesmo. Não namora atualmente, diz. Aos 21,
namorava Anna Cecília, mas acabou. "É tudo fortuito. Ainda não achei a
pessoa certa, vai demorar um pouco. Até porque estou assumindo a Legião,
tô muito focado."
Ele diz que seu comportamento low profile também é parte de sua
responsabilidade como condutor do legado da banda. "Os papéis se
invertem. Ele era um criador, um artista, e eu tenho outra função:
cuidar, preservar, difundir", explica o rapaz, que vive em Brasília, mas
procura apartamento em São Paulo - acredita que na capital paulista as
condições são mais adequadas para desempenhar melhor sua função.
Giuliano está trabalhando em uma infinidade de projetos relacionados à
Legião. Em maio, ele se mostrou contrariado com a iniciativa dos outros
dois remanescentes da banda, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, de
reunirem a banda em torno do ator Wagner Moura para um show da MTV,
em São Paulo. Ele é atualmente o dono de 100% da marca Legião Urbana, e
ninguém pode realizar nada relacionado ao seu legado sem pedir
autorização a Giuliano. Na época, ele disse: "Nenhuma obra em conjunto
pode ser decidida unilateralmente".
O filho de Renato Russo, de 23 anos (Foto: Dida Sampaio/AE)
O produtor estuda modelos para criar o Instituto Renato Russo, uma
instituição que será voltada para ações de apoio e conscientização de
dependentes de drogas. Ele diz que a própria agonia final do pai, que
foi alcoólatra e usava drogas, o motivou a criar o instituto. Às vezes,
quando estava em Brasília, Renato abusava de alguma substância e ia
dormir em casa de amigos, para que o filho não visse o seu estado.
Outro fato que o motivou a criar o Instituto Renato Russo foi a
revelação, pela TV, de que o antigo baixista da banda, Renato Rocha, o
Negrete, estava vivendo como sem-teto no Rio de Janeiro. "Meu pai
adorava o Negrete. Eram muito amigos, e ele não deixaria que ele
terminasse assim. Eu vou fazer o que meu pai faria, vou tentar
ajudá-lo", disse.
"A Legião Urbana é uma empresa, e foi criada por meu pai. Temos
advogados, estrutura de comunicação, marketing, planejamento. Mas a
maneira que eu lido com isso tudo é mais terna, mais familiar. Não gosto
de gritar ordens. Acredito que a forma como se relaciona com as pessoas
muda até a qualidade do trabalho", afirma Manfredini, que também é dono
da produtora Mundano.
Giuliano não gosta de falar da parte materna de sua família. Sabe-se
que sua mãe, Raphaela Manoel Bueno, era uma moça de origem humilde da
Ilha do Governador. Giuliano foi adotado por Renato Russo e criado pela
avó materna, Maria do Carmo, a Carminha. Em 2004, houve um processo
judicial movido pela família da mãe, mas os pais de Renato Russo
ganharam na Justiça o direito de manter a guarda do garoto até sua
maioridade. Renato vivia no Rio de Janeiro, mas Giuliano conta que o pai
nunca o deixou largado.
"Vinha sempre me visitar, escondido. Me protegia do assédio,
passeávamos. Ele me fazia ver filmes repetidamente, e me ensinava a ler
livros. Lembro muito dos Natais em família, a gente ia para o
apartamento dele no Rio, eu era muito amado. Vim muito novo para
Brasília, mas ele dava o norte de como eu deveria ser criado", conta. O
resultado é quase um anti-Renato Russo. "Quero casar, ter família, sou
desse tipo de cara." No início, Giuliano até que teve pretensões
artísticas. Tocou guitarra numa banda de rock chamada Síndrome, mas logo
jogou a toalha nas pretensões de ser artista e passou para o outro lado
do balcão. Está no sétimo semestre de Direito e também termina o curso
de Administração.
Renato Russo teve dois grandes amores em sua vida, lembra Giuliano.
"Um menino e uma menina", brinca, lembrando da letra do pai. O primeiro
foi a nipo-brasileira Suzy, um namoro de juventude. "Meu pai me
apresentou a ela, é um doce de pessoa. Está casada, vive em Brasília."
Depois, namorou o americano Robert Scott Hickmon, que conheceu em Nova
York (e vive atualmente em São Francisco).
Toda a história de Renato Russo está agora nas mãos de Giuliano. "Meu
pai deixou um universo a ser descoberto. E eu vou organizar isso. Cada
um que o descreve mostra apenas um lado. Mas não há uma verdade única",
pondera.
DO ESTADÃO
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