Pedido aceito: como foi a noite de campeã da torcida do Flamengo
Em
jogo duplamente rubro-negro, torcedores do Atlético-PR fazem muito
barulho, mas não calam a massa flamenguista, que fica com a taça e a
festa
É
difícil saber se é um pedido, uma convocação ou uma ordem. Na frase,
não há preocupações com o português. Azar da gramática: entre a
concordância e a rima, que vença a rima. O que importa é que quando ela é
dita, ela reverbera como poucas no mundo:
- Vamo, Flamengo, vamo ser campeão; vamo, Flamengo, minha maior paixão!
Se
foi um pedido, ele foi atendido; se foi uma convocação, ela foi aceita;
se foi uma ordem, ela foi cumprida. A torcida do Flamengo viveu nesta
quarta-feira, 27 de novembro, seu maior momento no novo Maracanã. Foi
campeã, como protagonista, na vitória de 2 a 0 sobre o Atlético-PR –
também apoiado o tempo todo por fanáticos inflamados, participativos,
esperançosos.
O estádio teve uma noite duplamente rubro-negra.
Poucas torcidas são capazes de chegar na casa de um rival em uma decisão
e produzir o barulho que a do Atlético produziu. Talvez o que fizeram
os atleticanos tenha sido a maior vitória dos paranaenses nesta Copa do
Brasil – e que pode influenciar na reta final do Brasileirão. Mas é
impossível tirar a festa dos flamenguistas. Eles foram os campeões da
noite. Antes, durante e depois do jogo.
Torcida do Flamengo faz bela festa e sai vitoriosa do Maracanã
(Foto: Editoria de Arte)
Torcedora fantasiada no jogo (Foto: André Durão)
Parecia
que todas aquelas camisas rubro-negras que circulavam desde a manhã
pelo Rio de Janeiro haviam ordenado a seus donos que fossem ao Maracanã:
as acostumadas a andar por ali e aquelas saídas do Paraná. Parecia que
estavam todas lá, uma a uma. Três, quatro, cinco horas antes do jogo,
como numa artimanha para fazer o tempo passar, para ludibriá-lo, as duas
torcidas já se aconchegavam nos arredores do estádio. E cantavam. E
bebiam. E cantavam mais. E trocavam provocações: ambas rubro-negras,
ambas finalistas, ambas esperançosas, ambas agoniadas.
Que noite.
Talvez o resgate dessa relação entre o espírito carioca e o Maraca, o
velho e agora remodelado Maraca, tenha acontecido efetivamente nesta
quarta-feira. A Geral não existe mais, ficou guardada no imaginário do
torcedor, mas as personagens excêntricas estavam lá – o sujeito vestido
de Homem-Aranha, o homem que faz embaixadinhas com uma bolinha de papel,
o rapaz que vai com um chapéu de urubu, o brincalhão que se veste de
“fantasma da B” para provocar os ameaçados Vasco e Fluminense. E outra:
às favas com as novas regras de comportamento em estádios. A galera
bebeu cerveja no pátio, não sentou nas cadeiras como mandam os
seguranças, agiu como se estivesse nesse não tão distante mundo de
alguns anos atrás.
Houve filas, longas filas, que serpentearam
pelo pátio do estádio. E aqueles portões, com a insensibilidade que só o
ferro tem, não abriam, enquanto um Maracanã inteiro esperava para ser
ocupado. Às 19h, com dez minutos de atraso, a torcida enfim teve seu
acesso liberado. E começou a recolorir as cadeiras brancas, azuis,
amarelas do estádio.
Foi lá por umas 20h que o canto da torcida
do Flamengo ficou mais forte. Pedido, convocação ou ordem, azar da
concordância verbal, valorização da rima:
- Vamo, Flamengo, vamo ser campeão; vamo, Flamengo, minha maior paixão!
Conforme
enchia o estádio, mais, e mais alto, a torcida cantava. A torcida, não:
as torcidas. A do Atlético-PR fez muito barulho também. Mas a do
Flamengo, claro, era enorme maioria. E se ouriçava especialmente na hora
de gritar o hino (é um hino que não se canta: se berra) e de entoar a
versão de arquibancada para a música dos finados Mamonas Assassinas.
A
entrada em campo foi emblemática. No setor norte, um mosaico avisou:
“Conte comigo, Mengão”. E o estádio quase foi abaixo, até emudecer com o
minuto de silêncio em homenagem a Nilton Santos, gênio morto horas
antes.
Festa
na favela. A torcida do Flamengo assumiu a alcunha, outrora pejorativa,
de favelada. Assim como não se importa com o erro de português em sua
cantoria, pouco liga para o “xingamento”. E canta: “Faveeeeeeelaaaa.
Faveeeelaaaaaa. Faaaaaveeeeeela. Festa na favela!”.
Festa, sim,
especialmente no começo do jogo. Com a confiança escancarada em
repetidas faixas que davam o Flamengo como campeão, a torcida foi
vibrante. Foi comovente o esforço dos atleticanos para fazer frente aos
rivais. Gritaram como se tivessem cinco gargantas. E, repetidas vezes,
se fizeram ouvir pela maioria.
Mas o Flamengo estava em casa.
Cada vez que cantava o hino, a torcida local lembrava que havia uma
final em campo. Mesmo que o jogo não ajudasse, mesmo que as chances de
gol não fossem das mais exponenciais, o clima sempre foi de decisão –
talvez mais no público do que no gramado.
Mosaico foi ponto alto da festa da torcida no Maracanã
(Foto: Alexandre Cassiano/Agência O Globo)
Com
o tempo, porém, a pressão arrefeceu um pouco. Os últimos minutos do
primeiro tempo foram menos barulhentos do que seus antecessores. E
sempre que o estádio ensaiou um silêncio, os atleticanos fizeram questão
de vibrar.
O final do primeiro tempo e o início do segundo
foram quase uma sequência ininterrupta. A tensão foi a mesma – aquela
preocupação que não sabe se precede a tragédia ou a euforia. A
diferença, na etapa complementar, é que a torcida do Flamengo começou a
se mostrar impaciente com os repetidos erros do time na saída para o
ataque. O Atlético, em contrapartida, deu sinais de estar mais
confortável. E animou seus apoiadores.
- Vamos, ó meu Furacão! Quero gritar campeão!
Cantoria que logo teve resposta:
- Ôooooo, ôooooo, vai pra cima deles, Mengo!
Seguia
o 0 a 0. Qualquer acontecimento poderia revolucionar a partida. Quando
Paulo Baier ficou no chão, alegando ter recebido uma cotovelada, a
torcida proibiu o time de jogar a bola para fora. Foi obedecida. Quando
Carlos Eduardo, tão criticado, foi substituído, ganhou aplausos. Era
noite de apoiar.
A posse de bola com o Atlético esteve sempre
acompanhada de uma vaia que mais parecia uma agulhada, de tão
penetrante. E os ataques iam formando um grito coletivo, que subia
gradualmente, até explodir num “uuuuuuuuh”. Hernane quase fez de voleio:
“Uuuuuuuuuuuuh”. Hernane quase fez frente a frente com o goleiro:
“Uuuuuuuuuuuuuuuuh”.
E aí Elias fez.
É
sempre curioso olhar duas torcidas no momento em que sai um gol.
Parecem os dois blocos mais opostos do mundo. Um em êxtase, um abraçar
coletivo, um colônia em movimento; o outro quase estático, inerte. É
típico do futebol essa tentação pelas contraposições.
O Maracanã mergulhou em delírio. Delírio de quem teria um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo.
- Flamengo até morrer eu sou – esbravejava a massa.
Ali,
o Flamengo já era quase campeão. E foi ainda mais. Fez outro gol. Com
Hernane. Mais delírio: o 17º do Brocador em 17 jogos no novo Maraca.
Os
jogadores do Flamengo ainda se abraçavam em campo quando a torcida
cumpriu o papel necessário a quem sabe se divertir com o futebol:
comemorar provocando o maior rival:
- Chora, vascaíno, o sonho acabou. Libertadores, sou eu quem vou!
Em meio a gritos de “tricampeão” e louvações a Elias, Hernane e Felipe, cantou para si mesma: “Que torcida é essa?”
Jogadores comemoram com a torcida o título da Copa do Brasil de 2013 (Foto: Reuters)
O
nome de todos os jogadores foi entoado – e Mano Menezes foi xingado
mais de uma vez. Os atletas deram as mãos e foram saudar a massa. Os do
Atlético fizeram o mesmo. Foram aplaudidos.
E aí foi esperar a
taça. Poucos torcedores arredaram pé do estádio enquanto ela não foi
levantada. Até que aconteceu, ela foi ao ar - pouco antes da meia-noite,
em um gesto logo seguido pelo hino do clube, aquele que diz que se o
sujeito é Flamengo uma vez, vai ser sempre, até morrer.